quarta-feira, abril 30, 2008

Chocolápis (Parte 4 de 4)

(Antes de prosseguir, leia a parte 1)

(E a parte 2)

Lia olhou para sua mão, a caixinha, os chocolápis... Jogou-os todos no chão, com medo de cada um deles. Um desespero que ela não imaginava ter quando aquele rapaz lhe entregou os chocolápis.

Restavam quatro deles, os quais ela olhava jogados ao chão, paralisada bem onde estava.

Ela havia consertado algo, algo que podia ser consertado. Havia tido a oportunidade de viver algo que lhe faltava. Ela havia apenas sofrido um evento novamente, descobrindo que não havia o que ser feito. Havia chocolates ao chão. Escolhas teriam que ser feitas. E: havia tanto o que mudar, ou reviver, ou...

Não podia escolher, simplesmente não podia! Não!

Os dias eram simples quando tinham que ser sofridos, quando o passado era inescapável, quando sua responsabilidade parecia menor. Agora, ela sabia que coisas poderiam ter sido feitas: SABIA. Era tudo culpa dela, tudo!

Não, o passado não devia ser mexido, era errado, não podia ser uma responsabilidade do presente: ele tinha que ser lembrado, ou esquecido, e apenas isso.

Lia se contraía no banco, retorcendo-se, como se torturada. Seu neto lhe dizia algo, o pequeno estava preocupado, mas ela não podia ouvi-lo. Podia ouvir apenas as falas de suas lembranças, os erros, choros, todos pareciam retornar agora, implorando para serem escolhidos.

Toda uma vida, e muitas decisões que mudaram tudo. Toda uma vida, e muitas decisões que mudaram tudo, momentos que mudaram tudo, e todos podiam ser mudados novamente, vividos novamente: qualquer um deles. Lia perdia o ar, e nem mesmo conseguia chorar mais.

Lia se atirou ao chão, para agarrar um dos chocolápis: o desembrulhou e devorou, apressada, como se a um antídoto para a mais crua toxina.

O feitiço... Como se ela sempre estivesse ali, bem onde estava:

Lá estava Lia, velha e sozinha, no ponto de ônibus. Seu coração palpitava. Havia congestionamento, e motoristas irritados olhavam para todos os lados, menos para ela: era uma pessoa esquecida, mais uma vez.

Preferia ser esquecida, preferia não se lembrar

Do passado, queria nada, e aceitaria nada, só que estivesse enterrado.


6 comentários:

Carolina Teixeira disse...

Será que vale ser o alguém esquecido apenas para não sentir o peso do que aconteceu?! Mas também acredito que o passado não pode ser alterado, faz parte da criação da nossa história e da construção de quem somos.

André LF disse...

Muito interessante o final do conto, Fábio!
Gostei, sobretudo, desta passagem:
"Os dias eram simples quando tinham que ser sofridos, quando o passado era inescapável, quando sua responsabilidade parecia menor. Agora, ela sabia que coisas poderiam ter sido feitas: SABIA. Era tudo culpa dela, tudo!
Não, o passado não devia ser mexido, era errado, não podia ser uma responsabilidade do presente: ele tinha que ser lembrado, ou esquecido, e apenas isso".
Este trecho me fez lembrar de Nietzsche, quando ele discorre sobre o conceito de amor fati. Pensando bem, não sei se é boa idéia utilizar o chocolápis. A vida não teria graça se não tivessemos a oportunidade de "errar", de fazer umas besteiras e aprender-ou desaprender- com elas.
Trata-se de uma discussão complexa, boa para ser debatida pessoalmente.
Amor fati, de acordo com Nietzsche: devemos viver de modo a desejar que aquilo que nos aconteça se repita mil vezes. Amor fati, amar o destino.
Amar, no sentido de acolher, aceitar (sem a resignação de ovelhas) aquilo que nos acontece de "bom" ou "mau". É perturbador.
Os seus vínculos com Nietzsche são maiores do que vc supõe :)

Henrique Monteiro disse...

Ficou fantástico e eu estou sem palavras. Li as outras partes, e estã incríveis também.
A hstória toda, em si, ficou perfeita.
Pois é... Às vezes a malhor coisa é se contentar com o que acontece, sem ficar se perguntando sobre as possibilidades do passado.

Desculpa eu não ter mais o que dizer, mas adorei MESMO.
Parabéns.

Rackel disse...

Ahhhhhhhh!!! O tão esperado FIM! De alguma forma eu sabia q vc ia acabar esse texto assim?! Mentira: de alguma forma eu QUERIA q vc acabasse o texto assim... mais uma vez lembrei dos 'los hermanos'e daquela música cujo trecho deixei no comentario anterior...

rs

Eu gostei mesmo desse final q vc deu!
=)
bjs e boa semana

Anônimo disse...

Nossa, Bonito!
A cada dia que passa me convenço mais e mais (se é que é possivel... rs)como nossa sintonia é forte/intensa!
Cheguei na empresa e entrei por aqui... Passou uns instantes recebi sua SMS...
("Coisas peculiares nossas" ;) )

Adorei o final! Serve de estimulo para as pessoas viverem bem o AGORA e nao ficarem pensando no que poderia ter sido feito, anteriormente!

"A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás; mas só pode ser vivida, olhando-se para frente"

Babybeijos (de Campos) :)

Andrêza Nunes Silva disse...

Um conto envolvente, daqueles que nos fazem ir depressa para a próxima parte. Parabéns.