segunda-feira, abril 28, 2008

Chocolápis (Parte 2 de 4)


(Antes de prosseguir, leia a parte 1)


Trinta anos atrás.

Lá estava Lia, muito mais jovem, muito diferente de quem era hoje.

- Meu Deus... – disse a si mesma, atônita

Lia olhava cuidadosamente para tudo ao seu redor, na cozinha, onde ela estava preparando o jantar daquele dia. Sua faca favorita, seu avental, o microondas, novidade da casa. Um choque, com tudo, e ela fazia questão de sentir cada coisa, em toques suaves de seus dedos, como se temesse que tudo desaparecesse de sua vida novamente.

Nada ocorria ao seu redor, mas ela se lembrava bem do que estava para ocorrer:

Sua filha abriu a porta da casa, violentamente, e a procurou, aos gritos, pelos corredores e ambientes:

- Mãe! Onde você está! Não se esconda! – até a encontrar na cozinha – Quem você pensa que você é?!

- Eu sou a sua mãe, e, se você é muito burra para perceber, eu estou protegendo você desse sujeitinho qualquer com quem você está envolvida.

- Ele é o meu noivo, mãe, o meu noivo, não um sujeitinho.

- Não, você vai respeitar a minha decisão, Carla! Eu ainda sou a sua mãe. Nenhuma filha minha vai sair por aí se envolvendo com um vagabundo qualquer.

- Ele não é um vagabundo! Não fale assim dele!!!

Sim, Lia se lembrava de como tudo começou, e embora não se lembrasse de tudo, muito porque ela preferiu esquecer, ela se lembrava bem de quando sua filha simplesmente foi embora de casa, e ela se lembrava de que ela não havia voltado mais. Lia pôde ouvir a porta sendo aberta com violência. A dor da lembrança dava lugar a uma nova chance...

- Mãe! Onde você está! Não se esconda! – e a encontrou na sala – Quem você pensa que você é?!

- Eu...

- Não, quem você pensa que você é?! Você tem que me respeitar, tem que respeitar as minhas decisões.

- Está bem.

Ouve um silêncio, como uma súbita calma dos ânimos. Carla lhe perguntou:

- Por quê?!

- Porque eu sou como qualquer outra mãe, eu quero o bem da minha filha. Mas, preciso aprender a te dar a liberdade de escolha. Preciso confiar que criei você bem, sei que posso. Quero que você me desculpe, quero muito. Vou pedir desculpas ao Diego, e não direi mais nada. Espero que nós possamos ficar bem uma com a outra.

- Mãe, está tudo bem, calma... Eu me irritei, desculpe...

Lia não percebeu o quanto se atropelou nas palavras. Também não havia percebido que estava chorando, senão agora mesmo. Secou lágrimas, manteve a compostura. Disse:

- Bem, eu estou fazendo o jantar. O seu pai vai chegar mais cedo hoje, mas com fome, como sempre. – a filha riu – Você vai ficar para jantar?

- Sim, sim, posso ficar. – disse Carla, cancelando seus planos de jantar na casa de Diego

Ambas seguiram para a cozinha. Continuaram a cortar cebolas. Lia perguntou:

- Como andam as coisas? Faz tempo que não conversamos direito.

Conversaram, e continuaram conversando durante muitos anos que se seguiram. As coisas com Diego não deram certo, e Lia estava lá para dar seu apoio à filha. Lia se lembrava destas novas coisas, como se fossem de hoje. Lá estava ela, no ponto de ônibus, ao lado de seu neto, de quem se lembrava em muitos bons momentos.

Lia, pálida, segurou a caixinha de chocolates, na qual restavam apenas seis chocolápis agora. O pequeno Luquinhas, a seu lado, lhe perguntou:

- Tudo bem, vovó?


(...)


6 comentários:

Anônimo disse...

Bonito,
Eletrizante!
O gostinho de quero mais se repete nesta segunda parte.
Anciosa pela terceira, agora! :)

Para mim, o conto trasmite uma visão de amadurecimento, de segunda chance (mesmo que "irreal" ... um toque sutil para as pessoas fazerem isso no "agora", se acharem que vale a pena)
Chega logo, dona Quarta-feira!! rs
Bubeijos

André LF disse...

Olá, Fábio! Estou aguardando a continuação do conto!
Fiquei intrigado com o tema e com as questões que ele me trouxe. Vc aceitaria um Chocolápis?
Um abraço!

André LF disse...

Pergunta inevitável, não é?

Fábio Félix disse...

A parte engraçada é que, de certa forma, eu vou responder à sua pergunta com o desenrolar do próprio conto...rs

Ele tem mais do que até agora veio. ;)

Rackel disse...

Mmmmmmmm... agora quem fiqcou curiosa quanto ao resto do texto fui eu!
rsrs

Até o prox 'capítulo'

Ari disse...

Bom... talvez uma nova leitura, mais doce e mais contemporânea, apesar de atemporal, do clássico "Um Conto de Natal", de Dickens.

Mandou muito bem Fabinho!