O pobre homem, assombrado, apenas o observava atônito. Seus olhos seguiam por aquelas imperiais asas brancas com marfim, para a espada de brilho dourado, não ameaçadora mas protetora, para finalmente descansar nos calmos olhos do próprio anjo, que lhe sorriu e disse:
- Você está seguro aqui. O tempo de suas tribulações está encerrado. Faça um desejo, e ele lhe será concedido.
- Eu posso voltar? – pediu, trêmulo – Viver novamente. Renascer uma criança, eu mesmo, anos atrás?
- Viver novamente, amar novamente, ter maiores aventuras... Existe grande sabedoria neste desejo. – lhe respondeu o anjo, sempre tão paterno – Mas, saiba que sua vida não seria a mesma da qual você sente tanta falta. Todo evento ocorre senão apenas uma vez.
- O que isso significa? – perguntou-lhe o homem, retomando, pouco a pouco, sua calma
- Você terá novos problemas a enfrentar, novas pessoas a conhecer. Talvez, ter que passar novamente por muitas das dores e momentos difíceis, sem saber nunca se você terá a força para resistir a tudo. Batalhar mais uma vez por cada conquista, e nem sempre ter as mesmas chances de uma vez. Talvez nunca encontrar a sua pessoa amada, ou a ver entregue aos braços de outro alguém. Perder amigos, ou correr deles em inimigos. Suar, dia após dia, para conseguir o seu pão, ver como olhares uma vez cúmplices agora o enxergam como um estranho. Lutar para que tudo dê certo, o que talvez nunca ocorra. A sua vida será tão incerta quanto da primeira vez que você a viveu, mas, ainda, será a sua vida, apesar de tudo. Você ainda a deseja? Escolha sabiamente.
O homem teve medo, por estar, agora, diante da maior das escolhas às quais ele esteve sujeito. Tinha medo de ser seu próprio carrasco. Lembrava de seus melhores momentos: de quando seu filho nasceu e de quando ele se formou na faculdade; dos sorrisos de seus pais e das brincadeiras com seu irmão quando eram pequenos, pouco antes dele morrer: talvez tivesse que passar por isto novamente. De quando conheceu a garota de sua vida, e das desilusões que teve. De todos os amigos e de muitos bons dias e noites que passou com todas estas personagens, antes de sua história acabar. Começou a chorar e sentou, onde estava, ao chão, apoiando seu rosto em seus braços cruzados sobre seus joelhos.
- Eu vou me lembrar desta minha vida? – perguntou, secando parte do rosto com a palmas
- Você apenas terá sensações. Breves momentos de uma familiaridade que você não conseguirá decifrar. – lhe disse o anjo, agachando ao seu lado, e lhe segurando uma das mãos, paciente e fraternamente. – De alguma forma você saberá que está próximo de algo do qual você fez parte.
- Eu não posso voltar, não para perder tudo. – chorou
- Você nunca perderá tudo. O seu universo estará sempre aqui, aguardando o seu retorno. Nós nos veremos novamente, e eu o encontrarei mais sábio.
O anjo ajudou o homem a se erguer e lhe disse:
- Não tenha medo. Apenas escolha. Não existe vitória ou derrota: existe percurso. E eu acompanharei você por todo o caminho.
O homem retornou e os seus caminhos se cruzaram muitas vezes com os de pessoas que uma vez ele conheceu. Ele passou por novas experiências, transpôs novos desafios, e quando retornou ao pó, retornou também perante o anjo, que lhe ofereceu:
- Faça um desejo.
Mas, agora, o homem já sabia o que escolher.