sexta-feira, outubro 13, 2006

Tin Man (as 6 partes)

Tin Man (1)
Mãos culpadas suam no cabo de metal áspero da forja. Metal negro esquenta o ambiente ao redor, sob a ação de fogo. Faíscas saltam para todos os lados, iluminando suavemente o espaço vazio ao redor, e o metal grita o impacto. A cada batida a espinha de aço se contorce, criando forma, atraindo olhares.
Olhares pesados, de rostos pouco amistosos, cortam o ar, agressivos. Como se essa agressividade pudesse protegê-los da culpa. Mas, ainda, já sentem pequenos cortes de karma em suas almas. Magias proibidas, conhecimentos ocultados por medo e anos. O mesmo medo de anos anteriores percorre as veias de cada um dos homens daquele dia e lugar, e os bebe a energia.
Os demorados e exaustivos rituais os consomem, e consomem o metal, que não é mais metal, mas vida. E, mais do que vida, morte. Também para os criadores da besta, de coração oco, e de olhar vazio. Mãos de ferro e aço que partem ossos e rasgam carne, e se tingem de vermelho. Passos que quebram o chão de pedra seguem. Um...Um...Um...Um...O boneco vermelho faz seu caminho para longe da forjaria, e para o campo aberto.
O sol se esconde, para não ver os horrores que o homem de metal irá trazer por onde passar. O dia se torna (lentamente) nublado, triste e frio. A areia sob os pés da aberração parece se afastar, assustada, a cada vez que eles tocam o chão. Os olhos mortos da criatura, opacos, percorrem toda aquela imensidão vazia, e ela caminha. Sem direção. Um erro errante. Amoral, imoral, de sangue frio. A luz pálida daquele dia triste causa arrepios sem motivo em muitas pessoas mais sensíveis. ‘Começou...’
Tin Man (2)
Por quilômetros a besta caminha, e caminha, incansável. Até que pára, ao ver um belo lago de águas paradas e claras (agora tão escuras sob aquelas nuvens). A bela paisagem verde que a cerca, e as montanhas do horizonte, tomam a atenção do homem de metal. E, se a criatura tivesse um fôlego, estaria sem ele. Desconhecia a beleza.
Subitamente, risadas, de uma voz fina, infantil. E, dos arbustos, uma menina surge, correndo, sozinha, rindo, com uma flor roxa em sua mão. Surge, para, assustada, parar exatamente onde está, olhando o homem de metal, assombrada. O homem de metal nada faz, senão observar a menina, talvez igualmente surpreso. Instantes passam, e o susto inicial da menina se torna mero estranhamento, e curiosidade. Ela começa a se aproximar da criatura, com passos curtinhos, em teste, e ele parece tremer suavemente com o primeiro movimento inesperado da menina.
Quando já está suficientemente próxima, a menina estica sua mão, para entregar a flor que carrega ao homem de metal. Ele, atônito, a observa por alguns momentos. Até que, lentamente, começa a mover seu braço, pouco a pouco, de centímetro em centímetro, encurtando a distância que separa os dois. Move seu braço até que as pontas de seus dedos começam a tocar suavemente as pétalas roxas da flor.
E, então, num movimento brusco, e violento, agarra a menina pela mão, e a puxa em sua direção, para quebrar o seu pescoço, e soltar seu corpo amolecido ao chão. O corpo da menina cai, rolando lentamente pela margem, para então parar parcialmente mergulhado nas águas daquele lago.
Os olhos opacos, negros, do homem de metal ficam a observar a menina, e quem olhasse de fora diria que a criatura estava triste, e que ficou ali por muito tempo, antes de novamente voltar a caminhar. Passo...Passo...Passo...Passo...
Tin Man (3)
Massacres, muitos, antes de pôr-do-sol. Correm boatos da criatura, e correm para longe todos os que podem deixam aquelas terras para não retornar. Todos os que podem. Mas, há aqueles que não tem essas condições.
De dentro de uma casa velha, um senhor de idade, velho e doente, deitado em sua casa, deixado para trás por sua família, aguarda sozinho a chegada de um pesadelo de metal. E, o som de passos que se aproximam em pequenos tremores logo surge de além das janelas fechadas daquele quarto-asilo:
Passo...Passo...Passo...Passo...Bate o coração do homem, que começa a chorar, ofegante, ao ver a silhueta em sombras da criatura passar do outro lado de sua janela fechada. Através daquelas cortinas sujas e empoeiradas, que um dia foram brancas, ele vê sua própria morte. Passo...Passo...Passo...E a estrutura de madeira da casa treme a cada avanço da monstruosidade. Aumentando sua força, mais próximo, chegando...Até a porta aberta do quarto.
Os mesmos olhos mortos, frios, da besta de metal que já havia encerrado dolorosamente muitas vidas desde que a sua própria lhe fora dada, agora fitavam o velho moribundo. Velho ofegante, velho moribundo, velho morrendo...Tremia agora, e babava, em um intenso momento de convulsões e pânico. Logo, seu coração parou.
A criatura o observou, apenas. Seu corpo metálico ainda avermelhado do sangue seco de outras de suas vítimas. Seus olhos tão vazios. Sem coração. Passo...Passo...Passo...Outras casas no caminho.
Tin Man (4)
As notícias viajam com o pânico das pessoas, junto delas, de casa em casa, de hospedaria em hospedaria, de taverna e taverna, até uma específica. E, nesta taverna, um homem quebrado, cansado, que bebia para esquecer muitas das coisas pelas quais ele passara. Um homem para quem a notícia trazia sobriedade.
Passos, passos, passos, passos, e apressadamente o homem seguia na direção oposta daquelas pessoas. Um homem que sabe o que deve ser feito. Um pobre homem, cansado, quebrado, carregando o mundo nas costas. Um homem velho, um bruxo velho, que um dia fora como os criadores da monstruosidade, e a quem os pecados sempre retornavam para perseguir.
Passos, passos, passos, e o bruxo, agitado, seguia ao encontro do pesadelo de metal. Desespero interno, e senso de dever. Talvez, assim, os fantasmas não o perseguissem mais para longe de suas noites de sono e descanso. Um homem sem paz.
Rostos de pessoas comuns, muito choro, muitos passos para longe de casa. A estrada, sob uma garoa fina e fria, tinha registro da passagem de cada um deles. E, muito distante de onde eles estavam, ela também sentia os passos pesados de pés de ferro. Muito distante, mas a caminho...
Tin Man (5)
No encalço da criatura, a perdendo sempre por horas, o bruxo encontra sempre apenas a tragédia e a dor, que aumenta a sua. Ele também está morrendo, de um mal que o seca e consome por dentro. Ele tosse sangue, morno, diferente do que encontra derramado ao chão de seu caminho.
Subitamente, escuta outra tosse, que não a sua própria. Esta muito fraca, quase desaparecendo, vinda de próximo dali. O bruxo avança em busca da origem da voz, e a encontra em meio a uma casa de madeira quebrada em pedaços. Ele levanta uma de suas tábuas, para encontrar uma moça do campo, chorando sozinha.
Morria sozinha, mas não mais. O bruxo segura sua mão, e observa enquanto os olhos da jovem buscam ao redor por alguma coisa. Ele sabe que ela está a procura do bebê que ele viu jogado na chuva e lama, do lado de fora. Pequenas costelas quebradas por mãos de ferro. Os olhos dos dois são iguais, mas os dela ainda têm algum suave brilho.
- Seu bebê está bem. Não se preocupe.
Ela aperta sua mão com força: queria apenas isto. E, agora que pode estar em paz, seu corpo não resiste muito mais. A dor começa a lhe tomar conta, e o bruxo a ajuda a fazer a transição. Sua própria dor o teria mantido ali por algum tempo, mas ele pôde escutar, vindos de fora, os pequenos tremores:
Passo...Passo...Passo...
Tin Man (6)
O bruxo caminha para fora, do que ainda parecia ter sido uma casa. A chuva lavou muito do sangue que cobria a criatura. Ela está como quando nasceu: apenas corpo de metal. Os olhos vazios, ainda, observam silenciosamente o homem. E, o bruxo, tosse, já também quase no fim de suas forças.
O golem pode ser criado apenas com um sacrifício, e deve morrer apenas com um sacrifício. Uma vida por uma vida. O bruxo caminha em direção ao enorme monstro metálico. O monstro caminha de volta. Eles se encontram no caminho, e pela vontade e magia do bruxo, ambos caem, quando ele toca o peito da criatura e pronuncia palavras em línguas ocultas.
Jogados na lama, sem mais o movimento de seus corpos, eles ainda podem se olhar, face a face, enquanto fazem a transição. Os olhos vazios da besta agora parecem pedir ajuda. Apenas uma criança, que não quer morrer. Apenas uma criança que sabia apenas matar. Talvez, ela tivesse brincado em feito amigos, mas ela foi feita com ódio. E, se livrou dele, agora na morte.
A paz vem para os dois, com um último fôlego gêmeo, quando eles partem juntos para o outro lado. Apenas dois condenados, que agora podem descansar. Talvez eles sejam amigos, cada um de seu libertador.

Um comentário:

Anônimo disse...

o que eu estava procurando, obrigado