terça-feira, outubro 30, 2007

Psicose (1/3)

Psicose, esquizofrenia, disse o médico. Mas, o que sabem esses médicos hoje em dia? Faculdades de medicina por toda parte. Se ele mesmo quisesse, participaria de algum vestibular por aí, passaria e quando fosse médico se daria outro diagnóstico. Mas, não fazia isso. Andava pelas calçadas molhadas naquela avenida escura e abandonada à madrugada. Ouviu passos. Escondeu-se rapidamente, para observar de posição privilegiada quem se aproximava. Talvez fosse o assassino que estava procurando. Certamente ele o estava procurando em retorno, devia estar.

Não. Apenas um casal de apaixonados. O susto pela perspectiva do encontro demorou a passar. Seu coração ainda desacelerava, muito lentamente. Continuou a caminhar, levando suas mãos secas aos bolsos, de onde puxou cigarro e fósforo. Geralmente não fumava, mas estava tenso naquela noite. Andando chegou à sua casa, mas passou reto por ela. Morava sozinho e ninguém o esperava.

Seguiu para um bar que freqüentava. Sentou-se na mesma cadeira de sempre ao bar, quando notou a presença dela, em uma mesa não muito longe de onde estava. O cheiro daquele perfume cruzava o espaço que os separava. Fragrância doce, grilhões que o prendiam àquela mulher fatal. Em um momento breve demais ela se aproximou. Sedutora em seu vestido vermelho. Empurrou o cabelo para trás dos ombros e pediu fogo com um cigarro em mãos. Puxou o isqueiro de seu bolso e o acendeu, com calma. Ela apenas agradeceu, lhe deu as costas e retornou para onde viera, sentando-se sem sequer o olhar novamente. Ele riu para si mesmo. Já gostava dela.

O pianista estava tocando algo diferente aquela noite, talvez estivesse com o coração partido. Ou, quem sabe, fosse apenas ele. O assassino deixava pistas para trás, o provocando a o descobrir. Pistas desconexas, uma brincadeira de charadas. Seu celular vibrou: era seu parceiro. Podia ser algo importante, vital talvez, mas ao mesmo tempo podia ser mais uma pista, ou quem sabe mais um assassinato. Não estava com cabeça para atender àquilo agora. Droga! Estava ficando paranóico e pessimista. Atendeu a ligação. Um bando se sentenças incoerentes, todas relacionadas ao seu médico. Desligou na cara do amigo, ainda jovem e inexperiente, sempre preocupado demais.

Colocou dinheiro na mesa, para pagar por seu drinque e para enviar outro para a dama de vermelho. Um Martini. Propôs um brinde silencioso a ela, de onde estava. Ela o aceitou com a mais suave das reverências. Ele deixou o bar. Acendeu um de seus próprios cigarros, e caminhou seguindo a calçada, ainda se afastando de casa. Geralmente não fumava, mas estava tenso. Sentia agora falta do som do piano, em meio à sinfonia desorganizada de carros e motos ocasionais.

Um carro de polícia pára ao seu lado. Um conhecido? Não, não o conhecia. O policial vem até ele para levá-lo dali, sem qualquer apresentação de distintivo. Corrupto! Estava sem sua arma, não gostava de andar com ela. Mesmo assim conseguiu se armar, puxando o revólver da cintura daquele homem. O rendeu e algemou contra um poste. Ligou para a delegacia dando o endereço do local. Seguiu caminhando. Não estava interessado em preencher boletins de ocorrência como fizera tantas vezes. Seu cigarro acabava. Não acendeu outro, pensando em sua saúde, mas jogou a bituca ao chão e a pisou.

Retornou até sua casa. A maçaneta estava forçada, alguém estava dentro. Por sorte ainda estava com a arma do policial de antes, a sua podia já estar na mão de quem quer que seja o invasor. Algo lhe dizia que era o assassino. Ligou para a polícia, dando seu endereço e identidade, e em seguida para seu parceiro, contando-lhe o ocorrido, apressadamente. Guardou seu celular. Com atenção redobrada seguiu casa à dentro, sem acender as luzes para não se acusar, mas com o revólver em mãos.

Passo a passo. Engatilhou a arma, tentando fazê-lo silenciosamente. A tonalidade azulada que aquela casa escura assumia o assustava. Sempre participava de situações como aquela, mas sempre era como a primeira vez. Coração palpitando, pronto para saltar à sua boca. Boca seca. Chegou à escada. Por algum motivo, simplesmente sabia que o invasor estava no andar de cima. Sabia, mas estava receoso demais para subir. Parou aos pés da escada. Seu celular vibrou lhe dando um dos melhores sustou que já tomou, e já havia tomado alguns muito bons. Era seu parceiro, mas nada do que dizia fazia sentido. A realidade é que a maior parte do que ele via recentemente não lhe fazia nenhum sentido. Pensava nisso, quando ouviu um barulho, vindo do andar de cima. Desligou o telefone antes mesmo que seu parceiro terminasse de falar. Continuou subindo. (...)

Um comentário:

Ari disse...

A volta triunfante do literato!